Camarões

A FÉ DO POVO EM CAMARÕES
NOSSA SENHORA DOS ENFERMOS

Passa a fé por cima dos bens materiais quando a fé é grande e os bens pequenos. O povo do nosso concelho, e em particular o que habita a planície rural, não é um povo que tenha por costume exteriorizar os seus sentimentos de um modo exuberante; pelo contrário, mostra-se geralmente reservado, mas dentro dos seus princípios religiosos, é convicto..

É assim, demonstrando uma grande fé interiorizada, que, o povo da região vai à romaria de Nossa Senhora dos Enfermos, em Camarões, freguesia de Almargem do Bispo. Trata-se de uma pequena ermida existente no interior de uma propriedade, cuja construção remonta, provavelmente, ao séc. XV. Contudo, não se encontram registros da sua edificação que nos indiquem uma data precisa.

Frei Agostinho de Santa Maria, no seu Santuário Mariano, apenas nos documenta a partir ao séc. XVII: "Esta quinta comprou hum avó de Diogo Soares, que hoje a possue; este homem veyo da Indía, & com hum cabedal, que de lá trouxe, a comprou, & assim a logra hoje seu neto com grande estimação, & tem razão para isso; pois possue naquella casa & santuário da Senhora, a mayor & jóya do mundo, & também do ceo. O tempo, em que o avô de Diogo Soares comprou a quinta quer dizer que ha mais de setenta annos, & seria no tempo de acclamação delrey Dom João o IV, pouco mais, ou menos. Já neste tempo da compra da quinta existia aquella casa, & ermida da Senhora".

A crença na protecção milagrosa da Senhora dos Enfermos de Camarões é, ainda hoje, bastante intensa. Aquela romaria, na primeira semana de Outubro, apresenta peculiaridades únicas no nosso concelho, onde se encontram grandes semelhanças com o culto a Nossa Senhora de Fátima. Do acto religioso faz parte a espera que os habitantes, efectuam, na véspera, ao chamado "carro da prata", carruagem puxada, em geral, por dois bois engalanados e que transporta as alfaias da Senhora desde a igreja de S. Pedro de Almargem do Bispo até à ermida. Hoje, o ritual cumpre-se mas as alfaias, essas, encontram-se guardadas no banco, por causa dos sucessivos assaltos que sofreu a igreja de S. Pedro.

Devido ao seu posicionamento, dentro de uma propriedade privada, a romaria da Senhora dos Enfermos esteve, por diversas vezes, comprometida. As questões entre os proprietários da quinta e o povo da região apenas ficaram definitivamente resolvidas com uma escritura de 1846, em que o então dono da quinta, André Chichorro de Gama Lobo, e o procurador dos habitantes de Camarões, Joaquim Francisco Pereira, acordaram em que a capela fosse utilizada, pelo público, dois dias por ano, ou seja, no dia 1 de Outubro, data em que se festeja a romaria da Senhora dos Enfermos, e o dia imediato.

A fé tem a sua nascente no mais secreto da intimidade das pessoas. No entanto, necessita o povo de substanciar essa fé, recorrendo, por vezes ao lendário, ou não. Ouçamos, de novo, o que nos diz frei Agostinho de Santa Maria a respeito dos milagres de Nossa Senhora dos Enfermos:

"Quanto aos princípios, e origem desta milagrosa senhora são eles tão obscuros, que nada se pode descobrir com certeza, causa de ser aquele sitio um deserto, e só habitado de gente rústica, que não cuida mais, que do seu trabalho, e como fica distante da Paróquia, e os curas dela são ordinariamente anuais, não se cansam em fazer memórias, e assim ficam em esquecimento as cousas grandes, merecedoras de toda a lembrança. Dizem aqueles moradores por tradição que a Senhora fugira da Paróquia de Almargem do Bispo, e que aparecera naquele sítio em o tronco de um pinheiro, e que o sabendo os moradores de Almargem a foram buscar em procissão, e que daquele lugar a levaram para a sua igreja". Mas, ao que parece, Nossa Senhora repetidamente voltou a aparecer no tal tronco de pinheiro, e assim: "vendo os do Almargem o como a Senhora naquelas fugas, manifestava, que naquele lugar queria ser venerada, desistiram dos seus intentos". E então, em devoção aos desejos da Senhora, ergueu o povo naquele lugar uma capela em sua honra, embelezada posteriormente com painéis de azulejos da Fábrica do Rato que, embora não assinados e datados, se deverão situar entre os finais do séc. XVII e princípios do séc. XVIII.

Há-de agora o povo dar continuidade a uma das mais tradicionais romarias do concelho, porque, embora mudem os tempos e as vontades, a necessidade humana de acreditar na superioridade divina é a mesma.

Retirada do livro "Santuário Mariano" escrito em 1761 por Frei Agostinho, temos a seguinte descrição acerca da Imagem e Capela de Nª Srª dos Enfermos.

No termo da vila de Torres Vedras há uma freguesia, cujo lugar principal se chama Almargem do Bispo e no Distrito da mesma freguesia há outro lugar mais pequeno, que se chama Caneças, este lugar pertence à freguesia de Nossa Senhora de Loures.
Junto a este lugar de Caneças há uma quinta a quem dão o nome de Fetaes, que é hoje de um mercador de fancaria, chamado Diogo Soares. Nesta quinta há uma ermida dedicada à Soberana Rainha dos Anjos, com o título de Nossa Senhora dos Enfermos, nome imposto com grande propriedade por serem muitos os que concorrem à sua casa, de onde não sai um só enfermo são, mas todos os que nela entram.
Esta quinta comprou-a um avô de Diogo Soares, que hoje a possui, este homem veio da Índia e com algum cabedal, que de lá trouxe, a comprou, e assim possui hoje seu neto com grande estimação, e tem razão para isso, pois possui naquela casa e Santuário da Senhora a melhor jóia do mundo e também do céu.
O tempo em que o avô de Diogo Soares comprou a quinta, dizem que há mais de 70 anos, e seria no tempo da aclamação do Rei D. João IV (1670), pouco mais ou menos. Já neste tempo da compra da quinta existia aquela casa e ermida da Senhora, mas parece que naquele tempo estava fria a antiga devoção e concursos da romaria da Senhora, mas devia a Senhora depois obrar alguma maravilha, de que não podemos achar notícia, e com ela se ascendeu à grande devoção com que hoje é procurada.
Quanto aos princípios e origem desta milagrosa Senhora são eles tão obscuros, que nada se pode descobrir com certeza, por ser aquele sítio um deserto, e só habitado por gente rústica, que não cuida mais que do seu trabalho, e como fica distante da paróquia, e os curas dela são ordinariamente anuais, não se cansam em fazer memórias, e assim ficam no esquecimento as coisas grandes e merecedoras de toda a lembrança.
Dizem aqueles moradores por tradição, que a Senhora elegendo aquele sítio de Caneças,voltou outra vez para ele, e dizem também que segunda vez a tornaram a levar da mesma forma, e que segunda vez tornará a fugir e a repetir o lugar da sua manifestação, e que vendo os do Almargem, o como a Senhora naquelas fugas manifestava, que naquele lugar queria ser venerada, desistiram dos seus intentos: isto é o que dizem alguns por tradição. Porém, eu inclino-me mais, que a senhora apareceu e se manifestou no tronco daquele pinheiro, e que tendo notícia do seu aparecimento, o pároco do Almargem convocara o povo e com ele foi àquele sítio, e dele levou a Senhora para a sua igreja em procissão, e com grande satisfação e alegria de todos, e que sendo colocada no seu altar mor, não a encontraram no dia seguinte, e que repetindo segunda vez a diligência de a levar para a mesma igreja, segunda vez ela desaparecera; então se deu o pároco por entendido, de que a Senhora elegera aquele sítio, para nele ser procurada e venerada.
Quanto ao tempo em que a Senhora se manifestou, não será fácil sabê-lo, logo começaria a obrar maravilhas, estas depois se suspenderam, as causas a senhora o saberá. Também o tempo em que as renovou, não podemos descobrir, nem a causa, ou maravilha que houve; mas não será muito antiga. Com as maravilhas que se seguiram à sua manifestação, edificou-se a ermida, em que começou a ser venerada e servida.
A Santíssima Imagem da Senhora dos Enfermos é de escultura de madeira, a sua estrutura não excede muito um palmo. Na sua manufactura mostra grande antiguidade e também muita majestade. Tem sobre o braço esquerdo o Menino Deus, fruto do seu puríssimo ventre, a Senhora para maior veneração a vestem sobre a escultura, com uma roupinha de seda ou de tela, e ambas as Imagens têm coroas de prata.
Se dissermos, que esta Santíssima Imagem pelas circunstâncias do seu aparecimento, e majestade grande, que mostra, foi obrada pelas mãos de celestiais escultores, não parecerá temeridade, porque todas as Angelicais tiveram semelhantes princípios.
Está recolhida num tabernáculo fechada com vidraças; as maravilhas são muitas, e também os concursos assim da cidade de Lisboa, como do seu termo, e no campo de Alvalade há muitos moradores, que são mordomos da Senhora, e a vão festejar todos os anos, e na ocasião da sua festa levam andores para a procissão que em louvor da Senhora fazem na tarde do dia da sua festa. Isto é o que podemos descobrir da miraculosa Imagem da Senhora dos Enfermos.

 

ORIGEM DA TOPONIMIA (UMA VERSÃO)

Possivelmente proveniente do latim cammaron, significando a planta venenosa do acónito, cujas raízes se assemelham ao cammarus, ou camarão, conforme esclarece Plínio na sua História Natural (Livro XXVII).

A população local conta uma outra história: era aqui que, numa albergaria, se alojavam a Família Real e outras pessoas que de Lisboa se dirigiam a Camarões; e como nessa estalagem as camas eram de grandes dimensões, passou a localidade a ser conhecida por “camarões” . A antiga albergaria, apesar de modificada, ainda existe no Alto dos Cavaquinhos.

Ano de 1840 - A sede da freguesia contava então “uns cem fogos, tendo quasi contiguos uns casaes denominados: Priores, Carraças, Covão, Machado e Fonte Ruiva, estes com 60 fogos”. Tinha ainda os outros lugares, entre eles, Camarões, com 40 fogos.

 

TOPONIMIA SINTRENSE - CAMARÕES - Pelo Dr. Julio Cortez Fernandes em http://tudodenovoaocidente.blogs.sapo.pt/

Camarões é uma localidade da Freguesia de Almargem do Bispo, concelho de Sintra, que fica situada na zona divisória com o concelho vizinho de Loures. A origem do topónimo tem sido objecto de variadas interpretações: uma das quais, sendo algo caricata e com seu que de humorístico, não resistimos a contar. Pretendiam alguns, que os habitantes por terem estatura acima da média,deviam de dispor de camas de dimensões mais dilatadas,onde coubessem para dormir: CAMARÕES.

Infelizmente a realidade é outra, no seguimento do que escrevemos sobre Aruíl, também nas redondezas da povoação as terras são ricas em ferro. Através da alimentação, nomeadamente pela ingestão de vegetais de folhas verde escuras,couves,agriões e carne,esse excesso de ferro provocava o aparecimento duma doença, a HEMOCROMATOSE, cujos sintomas são entre outros, problemas hepáticos e pele bronzeada, como se se tivesse tido uma longa exposição ao sol. Aquilo que se ouve dizer "parece uma lagosta" quando vamos á praia. Esta doença provocava grande morbilidade, as pessoas raramente passavam da meia idade. Era uma povoação de muita enfermidade, daí grande devoção,á Nossa Senhora dos Enfermos,apesar da capela estar em propriedade privada. Assim CAMARÕES, deriva do facto dos seus habitantes,em tempos, apresentarem uma tez cor de camarão, não pelo consumo desregrado de bebidas alcoólicas, mas sim pelas maleitas que os produtos da terra lhes transmitiam, por esse facto,seriam alcunhados com aquele epíteto. ARUIL, CAMARÕES e outros micro topónimos similares têm porventura origem semelhante.