Almargem do Bispo
Não podemos falar do Almargem sem associarmos a sua condição de sede de freguesia.
Existem várias lendas, histórias e factos que fazem com que o Almargem seja uma freguesia de cultura rica e já bastante antiga.
Como seria pouco viável, (mas não impossível, assim as pessoas possam colaborar com artigos que complementem aqueles que temos, que são poucos e de fraco valor histórico) aqui publicarmos todos os factos que aconteceram, e acontecem, na nossa freguesia ficamo-nos por um artigo publicado num jornal em 6 de Novembro de 1983 e que nos parece descrever um pouco da vida do dia a dia de há 30 anos atrás.
OS SALOIOS QUE JÁ NÃO O SÃO
«Embora os velhos conservem recordações do antigamente, os saloios vivem hoje afastados da originalidade que os caracterizou.
Os burros que moviam noras e puxavam arados foram substituídos por bombas de aspersão e tractores; as casas térreas de chão batido servem agora para guardar alfaias, tendo dado vez a vivendas e no lugar das carroças estão os camiões de média tonelagem.
Estas conclusões tirámo-las com regalado espanto, após visitarmos as treze aldeias que compõem a segunda freguesia mais rica do Pais - Almargem do Bispo.
São 18 mil as pessoas que vivem nesta zona saloia por excelência e, apesar da modificação que imprimiram ao seu modo de estar, mantêm uma identificação sentimental com a terra vivendo o mais possível no exterior, cuidando das hortas e dos rebanhos e caçando coelhos e perdizes, nas tapadas.
As aldeias acordam de madrugada, quer faça sol, chuva ou frio, sempre às cinco, hora em que o gado é mugido e arrancados da terra feteira os legumes que abastecem os mercados de Lisboa.
Em nenhuma das aldeias existe praça. As hortaliças compram-se directamente nas hortas mas por regra pratica-se o sistema de permuta de géneros - duas couves podem valer um litro de leite ou meio quilo de açúcar, por exemplo -, numa espécie de saudação ao passado que os saloios não querem esquecer totalmente.
A manteiga e os queijos de cabra, feitos pelas mulheres segundo receitas antigas, vendem-se nos comércios locais, espécie de bazares onde há de tudo, desde botões a peças de tecido, de lixívia a adubos, aspirinas a xaropes...
Mas nem tudo são flores (embora existam plantados de violetas, margaridas e esquecidas...) no mundo dos saloios. A falta de água canalizada e, por conseguinte, de esgotos domésticos é a carência principal. No seu quotidiano cada vez mais automatizado os pequenos lavradores não aceitam a política planeada de um plano de rega e, por isso, cada um deles vai fazendo os seus furos, onde melhor entende, razão porque nesta freguesia ser vedor é ainda uma profissão necessária.
É destes furos que se extrai a água para as regas, enquanto que a de beber e cozinhar jorra dos mais de cem chafarizes existentes. Cada terra capricha na ornamentação da sua fonte que é uma espécie de "sala de visitas" pública onde as mulheres, enquanto as bilhas enchem, desenferrujam a língua.
Os lavadouros de roupa são outro local de bisbilhotice por onde passam as novidades de tudo o que acontece. Das outrora dezenas de lavadeiras saloias sobrevivem duas em toda a freguesia que ainda aceitam roupa à semana, de casas de Lisboa. São a D. Gertrudes Maria o a D. Maria Escolástica, a primeira com 77 anos e a segunda com 85. Estas duas velhas senhoras ainda fazem a barrela, batendo a roupa branca na pedra, torcendo-a a mão peça por peça e estendendo-a sobre o rosmaninho bravo da serra "para ficar com cheiro de perfume"!
A escolaridade básica é bem aceite, mas as escolas são, insuficientes para receberem as mais de oitocentas crianças matriculadas. Alunos de duas aldeias atravessam a pé montes e valados, num corta-mato de oito quilómetros pelos caminhos dos pastores, para irem às aulas. A freguesia tem sete escolas para as treze aldeias.
A zona saloia é basta em festas populares, com destaque para a Feira das Carraças em Almargem e para as Festas de Nossa Senhora do Carmo, na aldeia de D. Maria. Quando não há romaria, sobretudo os homens, juntam-se nas Sociedades Recreativas onde jogam às cartas e ao chinquilho e onde, no sábado, há baile com a exibição dos três ranchos folclóricos constituídos. Os momentos de lazer das mulheres são preenchidos com os "tricots" e com os bordados a cheio nos aventais que ainda usam. Domingo de manhã enchem-se as capelas, uma por cada aldeola. Novos e velhos de todos os credos políticos vão à missa com devoção, tal como se quisessem obter de Deus o perdão pelos outros dias da semana em que trabalham mais que rezam. De tarde, muita gente visita os mortos no cemitério de Almargem, único em toda a freguesia.
É também nas tardes modorrentas de domingo que se "esgotam" os bancos à sombra do plátano do Sabugo, magnífica árvore que se diz ser do tempo da construção do convento de Mafra. À volta deste plátano corre uma história que envolve um cantoneiro de nome José Braz. Conta-se que o dito cantoneiro "andava de olho" numa criada que, por sua vez, aproveitava a hora de ir à fonte para namorar com o prometido do seu coração. Ora, de sua casa, o José Braz não podia controlá-la porque o plátano lhe tapava a visão da fonte. E se bem o pensou melhor o fez, armou-se de um machado e saiu para cortar o plátano. 0 povo do Sabugo interpôs-se, tocaram os sinos a rebate, interveio a autoridade e o cantoneiro para além de ter de desistir de cortar a árvore, abandonou a aldeia. 0 plátano lá está e tem o tronco gravado assim; "Acalme-se rapaziada o fiscal já se foi a andar foi um ar que se lhe deu...".
Assim vivem na sua simplicidade não conformista os saloios de Almargem do Bispo. Continuam a ser donos dos semeados, a respirar a aragem fresca dos vales, a aguentar o ar frio da madrugada "que enregela os ossos" e têm com toda a sua boa-vontade o desejo de se promoverem.»
TOPONÍMIA
Almargem tem origem na sua designação muçulmana, Al-marje, que significa o prado/o campo.
IGREJA DE SÃO PEDRO
No sopé da povoação, pitorescamente situada no extremo do Concelho de Sintra, eleva-se este esquecido, mas notável templo quinhentista (segunda metade do século XVI). A porta principal, a cujo corpo se adossam duas estreitas colunas estriadas é de mármore branco. O amplo e claro interior, de três naves divididas por arcos apoiados em colunas toscanas, estas ainda com algumas das pinturas decorativas do século XVII (ornatos vários, más-caras, o Agnus Dei, etc.), é enriquecido pelos azulejos de tapete seiscentistas que forram as paredes, do que imediatamente resulta um belo efeito de conjunto. Na parede do lado da Epístola, pequenos painéis de azulejos policromos. Segue-se o altar de S. Miguel, de mármore, com a respectiva tela setecentista. Na parede fronteira, o altar privilegiado de N. S. da Conceição, com inscrição datada de 1687. Passada a teia de balaústres de mármore rosado, ladeia o arco triunfal um pequeno e interessante altar de mármores embutidos (do século XVII).
As paredes e a própria abóbada da capela-mor são forradas de azulejos de mais de um padrão, do século XVII. O retábulo de talha, de começos do mesmo século, compõem-se de quatro colunas coríntias caneladas e de um grande e posterior sacrário. Coroam-no três pinturas em madeira. A Coroação da Virgem ocupa o medalhão do centro e nas aletas distribui-se a Anunciação.
Observe-se ainda o púlpito, alto e circular, de mármores com balaústres assente em forte sucedâneo em forma de urna, e bem assim a pia baptismal oitavada, invulgar em tal época, com pequenos lavores nas suas faces.